A rotina dos cães na Rural

por Lívia Neves
Ela analisa atentamente e, depois de alguns segundos, escolhe uma das mesas da cantina. Com olhar expressivo, “pede” um pedaço do salgado de um dos estudantes. Raposinha é, mais ou menos, como a maioria dos cachorros que circulam pelo ICHS, sem-vergonha de entrar e pedir. Porém, sua alimentação, assim como a dos seus companheiros, está assegurada não apenas por essas “doações” dos que frequentam o local, e sim por um grupo de pessoas que se mobiliza para comprar ração, além de outros cuidados.
– Certo dia, um dos cachorros ficou com a orelha ferida e nós fizemos o curativo. Eu tentei levá-lo ao Instituto de Veterinária para que ele recebesse tratamento adequado. Contudo, me informaram que não recolhem animal para cuidar, e não podiam ficar com ele. Acho estranho, afinal, os veterinários ou estudantes de veterinária deveriam estar na Rural para tratar dos animais – desabafa Silvia Regina, secretária da Diretoria do ICHS e uma das pessoas que se preocupam com os cães.
O filósofo e professor do ICHS Paulo Ghiraldelli, acredita que nenhum ser é mais importante do que o outro e isso se aplica a seres humanos e a cachorros. Para colocar em prática sua crença, ele procura alimentar e oferecer carinho a esses “companheiros”, em especial aos do Instituto, que estão mais próximos dele.
– Alguns professores e funcionários são bem dedicados, fazem o possível. A professora Lia Oliveira, do DTPE, reúne um grupo que está organizando uma campanha de adoção, não com o intuito de levar o animal para casa, mas a adoção no próprio campus. Com o tempo, isso deveria fazer parte de uma ação institucional na Rural, com canil, gatil, vacinação e castração, entre outras iniciativas. É claro que sendo a UFRRJ uma “universidade rural”, a relação com nossos irmãos de quatro patas tem de ser melhor do que a atual, e melhor do que em outras universidades – ressalta o professor.
Marta Silva em foto de Lívia Neves
O Instituto de Veterinária (IV) não possui de fato um programa voltado exclusivamente para os animais que circulam pela Rural. Existe, entretanto, o “Controle de natalidade de Cães e Gatos da UFRRJ”, projeto de alunos e professores do IV coordenado pela professora Marta Fernanda Silva. O objetivo principal é combater a superpopulação desses animais, um problema não exclusivo da UFRRJ. Pelo contrário, ele assola o mundo inteiro. O projeto inclui eventos com palestras para conscientização, além da oferta da própria cirurgia de castração a um valor bem menor.
De acordo com dados obtidos com estudantes de veterinária, a cirurgia no hospital custa, em média, R$ 300, mas o projeto cobra apenas R$ 80, quantia que paga os equipamentos e materiais usados na operação. A professora Marta explica que o projeto pode oferecer esse valor reduzido em virtude dos alunos arrecadarem fundos através de festas. Em algumas ocasiões, o próprio IV repassa uma verba para a manutenção do programa. Sobre a questão de recolher ou não animais no campus para operá-los, Marta Fernanda Silva lamenta:
– Nós precisamos que alguém se responsabilize pelo animal, não podemos pegar animais errantes, por não termos como fazer o pós-operatório. É necessário que uma pessoa dê o antibiótico e cuide da cicatrização. Desde o episódio em que operamos uma cachorrinha e um dos meus estudantes a encontrou com a barriga toda aberta perto do alojamento, passamos a exigir um responsável antes de realizar a castração.
Equipe de veterinária em foto de Lívia Neves
O problema, além do crescimento da população canina, consiste no abandono dos animais dentro do campus, principalmente em torno do Hospital Veterinário, sem estrutura para recolher e cuidar dos mesmos. Na opinião de Washington Luiz Teixeira Soares, dono da cantina do IV, é necessário que haja um controle de quem entra e sai da Rural com um determinado animal: 
– É fundamental saber se quando a pessoa que entrou com um cachorro, por exemplo, leva o animal consigo na hora de sair. Essa semana, vi um carro parando aqui em frente, deixando três filhotes e indo embora. Essa prática não pode continuar, as pessoas devem assumir um compromisso. É o que eu digo, o bicho não pede para morar com você, você escolhe adotá-lo ou não. Eu mesmo cuido dos que ficam por aqui, compro remédio, dou comida, mas não damos conta de todos.
Seja por meio da conscientização, do controle populacional ou da institucionalização do trato desses animais dentro da própria Universidade (criação de canis e gatis oficiais, por exemplo), alguma medida deve ser tomada no sentido de resolver essa situação. Para que Raposinha, seus recém nascidos filhotes e todos os outros cães em estado de abandono possam ter uma existência melhor.

  • Generic selectors
    Exact matches only
    Search in title
    Search in content
    Search in posts
    Search in pages